Quando o bebê chegou, nós sumimos
- Fe Matos
- há 7 dias
- 3 min de leitura
Gabriela entrou na sessão já em lágrimas, carregando um cansaço que começara antes mesmo de atravessar a porta do consultório. Disse que não lembrava da última vez em que tinha se sentido “pessoa” e não apenas mãe.
Pedro chegou alguns minutos depois, ainda ofegante por ter ficado com o bebê, mas seus olhos revelavam mais distância do que presença.
Estavam ali pela terceira vez desde o nascimento de Nina, a filha de sete meses que transformou a casa, a rotina e também a relação.
Ela, três anos de casamento, parecia carregar uma conta emocional acumulada que ninguém lhes ensinara a pagar. “Ele chega em casa e vai direto pro banho, depois pro sofá. Se eu não peço ajuda, ele não se move”, disse Gabriela. Pedro respondeu baixo: “Eu fico com medo de fazer errado. Parece que nada do que eu faço serve.”
Ela sentia-se abandonada. Ele, excluído. Ambos esgotados.
O início tinha sido um verdadeiro tsunami. Um parto difícil, uma amamentação dolorida, quase nenhuma rede de apoio. Gabriela entrou em hiperalerta, vivendo no modo simpático do sistema nervoso, controlando tudo, checando fraldas, febre, mamadas, dormindo pouco e nunca descansando de fato.
Pedro tentava ajudar, mas cada tentativa vinha acompanhada de correções. Foi se afastando devagar, encontrando no trabalho um refúgio.
Quando nomeamos seus estados, ficou claro: ela em luta, ele em fuga.
Mas o que cada um dizia não era o que o outro ouvia. Quando Gabriela falava “me sinto sozinha”, Pedro escutava “você é péssimo”. Quando Pedro dizia “não sei o que fazer”, Gabriela ouvia “você não liga pra mim”. As palavras se perderam em um campo minado de interpretações, onde o sistema nervoso não ouvia conexão, só ameaça.
Na quarta sessão, um silêncio diferente apareceu. Nina tinha adoecido, Gabriela passara a noite em claro na poltrona e Pedro, tentando falar sobre um problema no trabalho, foi interrompido por ela: “Problema? Problema é não ter um minuto pra si!” Ele se calou. Ela chorou. Pela primeira vez na terapia, abriu-se um espaço de escuta sem competição, onde a dor de cada um podia existir sem precisar anular a do outro.

Introduzi a lente da Teoria Polivagal. Mostrei como o corpo dela se mantinha em vigilância e o dele em congelamento, e como a co-regulação não era apenas necessária para Nina, mas também entre eles. Propus práticas pequenas, quase invisíveis: um olhar antes de dormir, um toque nas costas durante a troca de fralda, um café de dez minutos com os fones abafando o choro para um, enquanto o outro administrava a Nina. Eles se emocionaram porque parecia possível.
Na sessão seguinte, Gabriela contou: “Ontem ele fez o jantar e me deu um beijo enquanto lavava a louça. Foi rápido, mas meu corpo derreteu.” Pedro completou: “Ela me deixou cuidar da Nina mesmo quando ela chorou. E confiou.” Começaram a rir das pequenas vitórias, a nomear seus estados, a encontrar nos gestos cotidianos sinais de eros, não como desejo sexual imediato, mas como vitalidade do vínculo. Pedro passou a notar o corpo dela, Gabriela a pedir em vez de acusar. Ainda eram pais em formação, mas estavam reaprendendo a ser casal.
Nem todo vínculo resiste ao puerpério,
mas todo vínculo precisa ser cuidado para não morrer de abandono.
Gabriela e Pedro descobriram que cuidar da filha exigia antes cuidar do espaço entre eles, não com perfeição, mas com presença. Porque quando o bebê chegou, eles não desapareceram. Só se perderam por um tempo. E agora, passo a passo, começaram a se reencontrar.
E como anda a sua história conjugal? Está precisando de ajuda, comenta aqui, talvez eu possa ajudar. Aliás talvez eu já ajude nos outros textos do blog... sugiro dar uma olhadinha nas categorias do Corpo Fala e dos Dicionários das Emocões e das Sensações.
Se puder, curte e compartilha,.
Ver o blog alcançando mais pessoas é um presente para mim e acredito ser também para quem dele puder se beneficiar.
Cuide-se bem, Fe
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