APEGO
- Fe Matos
- 24 de jun.
- 4 min de leitura
Atualizado: 12 de ago.
Quando o amor virá nó

fala do corpo vem antes da palavra.
O corpo se aproxima, se retrai ou se entrega, revelando, sem máscaras, o desejo profundo de estar com o outro em segurança. O apego, do ponto de vista sensoperceptivo, costuma se manifestar como uma busca instintiva por contato e segurança.
Imaginem uma pessoa diante de outra, onde o seu corpo apresenta uma leve inclinação do tronco para frente, um movimento sutil em direção ao outro, um amolecimento nos ombros, e ainda a pessoa diz sentir um calor no peito, isso caracteriza o apego sadio em relações em que há conexão.
Mas quando o vínculo está ameaçado ou ausente, o apego pode ser sentido no franzir do cenho, no nó na garganta, no afundamento no estômago e ainda, numa sensação de vazio no peito, frio ou tensão na região torácica.
"Na infância, buscamos braços; na vida, buscamos lugares onde possamos repousar a alma o nome disso é apego." John Bowlby
A palavra APEGO vem do latim “appicare” — que significa “grudar, prender, colar”. Está ligada à ideia de fixação, de não soltar, o que já introduz a dualidade da palavra, seja como laço nutritivo, seja como prisão sufocante.
Na tradição budista, o apego é uma das raízes do sofrimento: o desejo de manter o que é impermanente.
Já na psicologia ocidental, especialmente a partir da Teoria do Apego de John Bowlby, o termo ganhou corpo científico, descrevendo os padrões de vinculação afetiva formados na infância e repetidos nas relações adultas. Nessa teoria, Bowlby identificou e nomeou padrões de vinculação como: seguro, inseguro (ansioso), evitativo, ambivalente e desorganizado. Exceto pelo padrão seguro, todas as outras formas, se não forem bem tratadas, podem levar o adulto a ter relacionamentos chamados, atualmente, de tóxicos.
Segundo a Experiência Somática, de Peter Levine, o apego não é apenas uma ideia, mas uma vivência encarnada e o sistema nervoso busca corregulação desde os primeiros dias de vida, moldando padrões de proximidade e distância. Achar a distância ótima entre duas pessoas é o desafio dos relacionamentos (a começar pela díade mãe-bebê, algo que foi também muito discutido por outro psicólogo o Donald Woods Winnicott).
A Psicologia Sistêmica nos mostra como padrões de apego se repetem transgeracionalmente; a Traumaterapia permite observamos como vínculos inseguros ficam registrados no corpo como estados de hiperativação ou colapso; e a Psicologia Junguiana lê o apego como uma busca simbólica por fusão com o “outro interior”: a parte de nós que foi esquecida.
Assim, Apego pode ser abraço ou nó. Porto ou corrente. Necessidade ou carência. É nessa ambiguidade que o amor dança, especialmente quando há desenraizamento, distância ou exílio emocional.
Se o apego é o modo como aprendemos a nos vincular, é a forma como procuramos segurança nos braços do outro, nos gestos, na linguagem do cuidado, quando, ao contrário, o medo fala mais alto que a confiança, o apego se adoece: vira controle, ciúme, dependência, sufocamento. Nos relacionamentos, o apego adoecido pode se manifestar assim:
Medo excessivo de perder o outro
Ciúmes desproporcionais
Reações de pânico diante do silêncio ou da distância
Dificuldade em estar só
Incapacidade de confiar no afeto sem provas constantes
Sob esse comportamento, quase sempre há uma história de abandono, negligência ou vínculos instáveis. Então, o que parece “grude” é, muitas vezes, a dor de não ter sido suficientemente visto.
Imagine um casal com vinculação insegura, onde a mulher olha o celular pela décima vez em dois minutos. Ele não responde. E não é a primeira vez. A cabeça dela cria cenas: “será que ele enjoou? Será que eu fiz algo errado?”
Ela não sabe nomear, mas o peito arde como quando, aos sete anos, a mãe desapareceu por horas sem avisar, e essa nem sempre (na verdade, na maior parte das vezes), é uma memória consciente na mente, mas o corpo reage como naquele tempo, inconscientemente.
Quando ele finalmente responde, ela não se acalma. Ela ataca.
“Por que você some assim?”
E ele, sem saber da infância dela, escuta apenas cobrança.
Eles não estão brigando pelo WhatsApp. Estão brigando pelos fantasmas.
Agora, nos casais binacionais ou migrantes, o apego ganha camadas a mais e mais específicas.
Diferenças culturais no modo de expressar carinho, tempo e presença podem ser interpretadas como desinteresse, quando são apenas códigos distintos. Por exemplo, em algumas culturas, privacidade é um valor. Em outras, proximidade constante é sinal de vínculo.
O parceiro expatriado pode desenvolver um apego mais ansioso, já que o outro é sua principal (ou única) base afetiva no novo país. O parceiro local pode se sentir sobrecarregado, transformado em bússola, família, cultura e colo.
Se isso não é conversado, o apego vira campo de mal-entendidos e frustrações.
Independentemente da teoria quero dizer que o apego não é patologia. É necessidade humana. Mas quando ele se torna a única forma de existir no amor, é hora de cuidar. E é através da escuta fina dessas micro sensações que podemos nomear e transformar nossa relação com o apego.
Aproveito esse espaço para deixar algumas dicas de reflexões e práticas:
1. Reflexões:
O que me assusta mais: perder o outro ou perder o vínculo comigo mesma?
Que lembranças de infância se ativam quando sinto que alguém se afasta?
Estou esperando que o outro preencha um vazio que é anterior à relação?
2. Práticas:
Diálogos estruturados sobre presença, tempo, espaço e intimidade.
Exploração do mapa de apego: como você aprendeu a se vincular?
Técnica da cadeira vazia (Gestalt): conversar com a criança ferida que ainda espera.
Rituais de autonomia: fazer coisas sozinho(a) no novo país, como forma de enraizamento interno.
O amor saudável não prende, ancora e ensina
que não é no nó apertado que se relaciona,
mas num laço bonito, tal qual um presente que se troca.
Cuide-se bem,
Fe













Frase marcante "Eles não estão brigando pelo WhatsApp. Estão brigando pelos fantasmas"
Depois explica os outros. Fiquei curiosa. Excelente texto, ajuda entender mais um pouco