Bravura
- Fe Matos
- 30 de set.
- 3 min de leitura
Quando o coração decide ir mesmo com medo

ravura não é ausência de medo, é a decisão de que algo vale mais do que ele.
Bravura é aquela centelha que aparece quando o corpo treme, mas ainda assim damos o próximo passo. O coração dispara, as mãos suam, a voz pode vacilar e mesmo assim, avançamos.
Diferente da temeridade, a bravura não ignora o risco: ela o reconhece e escolhe seguir.
Se bem escutada, nos fortalece;
se negligenciada, pode virar paralisia ou fuga disfarçada.
Do latim bravus, significando “selvagem, forte, feroz”, a bravura carrega essa potência instintiva. Ao longo da história se tornou símbolo de coragem homérica: o herói que enfrenta monstros externos e internos. Nas narrativas antigas, a bravura era a prova da alma em jornadas de travessia.
Na clínica, a bravura aparece em momentos cruciais, por exemplo:
um casal binacional que decide ficar junto apesar das distâncias;
uma família migrante que recomeça do zero;
alguém que encara o luto e ainda assim cuida dos filhos;
quando se diz: “eu não queria, mas preciso tentar”.
Imagina uma pessoa que seguirá em sua expatriação. Ela olha para a mala fechada; o voo é no dia seguinte; o peito aperta como se fosse rasgar; lágrimas ameaçam cair; mas um fio interno se ergue e ela pensa: eu vou. Não falta nela aquele medinho na barriga, mas há algo dentro dela que diz: é a hora. Para ela, a bravura está no atravessar das fronteiras, dos aeroportos, dos papéis, dos idiomas e das saudades. Mas para a família dela, a bravura estará no esperar, no acreditar, no reconfigurar laços.
Bravura pode ser entendida de formas diferentes:
Em culturas coletivistas, é uma emoção, muitas vezes, silenciosa, como por exemplo, um pai chinês que decide mudar de cidade, para trabalhar numa fábrica que lhe dá o sustento de sua família; ele faz isso sem alarde.
Em outras culturas, mais individualistas e exibicionistas a bravura se mostra em gestos públicos, discursos, declarações. São contadas em filmes de formas extravagantes, e é bravura também.
Para a psicologia sistêmica, bravura é um recurso transgeracional, que reside no inconsciente familiar, onde em diferentes gerações observa-se a repetição da coragem dos que vieram antes ou a falta dela. Certa vez atendi uma mulher, que tinha uma marca familiar de mulheres traídas, deprimidas e silenciadas. Ela as via fracas e foi libertador perceber como na verdade a bravura de permanecer criando a família, foi um ato silencioso de enfrentamento.
Para a psicologia junguiana, bravura é a travessia do herói. Ele recebe o chamado para uma aventura, e primeiro nega, mas depois entende que tem dons para iniciar a jornada e então vai. Enfrenta, mesmo com medo, os primeiros desafios. Ora perde e quase desiste. Então, recebe novas habilidades e enfrenta os novos monstros e vence. Ao vencer sua descida à sombra, ele encontra tesouros e retorna à vida, até o próximo ato de bravura ou próxima aventura.
Para a traumaterapia, bravura é um ato de abrir a caixinha de pandora pessoal e olhar para coisas que lá ficaram escondidas e aprisionadas. Só que para a experiência somática, a bravura estará em se ter paciência para o enfrentamento em doses pequenas (titualção) e, alternadas (pendulação), com o reaprender dos recursos e potências que todo trauma também carrega.
Para a tanatologia, a bravura é aceitar a impermanência e ainda assim escolher viver. Perder alguém de fato para a morte ou, de forma simbólica, como num divórcio, é entrar numa jornada de enlutamento. O luto é um processo, de altos e baixos, e precisa dessa energia, de mesmo com medo, pouco a pouco, voltar à vida.
A Bravura quando sufocada,
gera congelamento e perpetua traumas.
Quando cultivada,
abre espaço para a vida florescer mesmo em terrenos áridos.
Aproveito esse espaço para deixar algumas dicas de reflexões e práticas:
1. Reflexões:
Pergunte-se: onde sinto medo, mas desejo avançar mesmo assim?
Escreva sobre uma bravura do passado que ainda te orgulha.
Pense em uma pessoa que você admira e contemple uma história de bravura dela; descreva para si, o que ela fez.
2. Práticas:
Olhe para a bola de sol subindo aos céus toda manhâ. Sinta a energia que aquece e convida à vida.
Inspire fundo e imagine uma chama no peito, crescendo suave, sustentando seu próximo passo.
Celebre pequenas coragens diárias: pedir ajuda, aprender uma palavra nova em outro idioma, chorar na frente de alguém.
Bravura é quando a vida nos chama para além do medo
e nós respondemos com o coração inteiro.
E você? Em que parte da sua vida a bravura tem pedido passagem? Compartilhe nos comentários, talvez sua coragem inspire a de alguém.
Lembre-se de folhear o blog, há tantos outros textos, inclusive com outras temáticas.
E se achar que essas palavras podem ajudar alguém, distrubu-as.
Cuide-se bem,
Fe
Hoje presenciei um ato de bravura de uma pessoa querida, amiga de caminhada, daquelas que já comemos juntas mais de um quilo de sal. Foi um choro sincero e de coração aberto sentindo a dor de um mal entendido. Lendo o post sobre a bravura consegui agora entender a inteireza da situação que vivemos. Gratidão Fê.